segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Venho ao teu rosto

venho ao teu rosto depor as máscaras.
entro na casa e oiço o soluçar do estuque e as curvas da brisa a esvoaçar entre as janelas. nunca percebeste a diferença entre arejamento e corrente de ar. e hoje venho ao teu rosto para um sopro final.
(e sim, trago um agasalho.
recuso-me a que me adoeças uma última vez.

reparo que na cómoda continua a reluzir o batman, abraçado a ti num retrato a preto e branco. foi teu colega de escola e é famoso. por isso eu nunca consegui concorrer com ele. mas hoje venho ao teu rosto e aproveito para te confessar que sempre odiei essa fotografia
(quase tanto como atum.

no cinzeiro da tralha, jazem os botões de punho que um dia usaste por capricho, misturados com moedas e pilhas e clips e rebuçados para a tosse e até um bocado da tampa de um bule de loiça boa, prenda do tio joão, aquele do bigode revirado que, hoje que venho ao teu rosto, admito ter-me assediado certa tarde no museu
(de pau feito nas mãos e dente de ouro à espreita.

hoje venho ao teu rosto depor as máscaras.
mais nada, não demoro.
sacudo apenas as migalhas do pequeno-almoço e passo a esfregona no chão da cozinha.
e no teu rosto deponho as máscaras.

faz delas o que entenderes, livra-te delas se quiseres
(já não são eu.