terça-feira, 4 de agosto de 2009

Essência

já deixaste há anos de coleccionar corações,
eu sei.
o teu perene desejo persiste voltado para fora,
como todas as vestes humanas, asas e ventres incluídos,
que só existem com sentido no mundo,
como quase dizia o ponty.

também eu e tu somos fenómenos,
como o são as tempestades e as árvores e os livros e os outros,
nada de essências e interioridades,
apenas coisas transformadas em longos e curtos vocábulos,
tão antigos como o céu.

a essência é o vazio, qual arquitectura, como quase dizias tu.
e nesse vazio fluem as nossas ideias,
umas mais flutuantes do que outras.
umas navegáveis, outras caminhantes, poucas voadoras, todas mutantes. é nele que acumulamos o nomeável e o indizível, emoções e sons e cores. e colecções. de gritos e risos e mortes e memórias de cordel. e corações. e pulsações.
e sorrisos grandes como a rússia.

é nele, nesse nosso vazio profundo que nos é essencial,
que perdemos e ganhamos o mundo,
significando o real, essa maravilha azul onde quase existimos.

deixaste de coleccionar corações,
eu sei.
agora penduras fitas coloridas no quarto,
que esvoaçam ao sopro da tua voz e pedem atenção em silêncio.
eu só peço um sorriso de país pequeno com lágrimas embrulhadas na cabeça.
e quase digo que ainda é cedo
para espalhar o meu tempo no teu corpo
e morar dentro de ti.