quarta-feira, 20 de junho de 2012

Exagero

o desespero leva-te a acreditar em dias felizes

sorrisos pasteleiros
vívidas experiências
cores de sol
facas de desejo atiradas ao coração
sangue prestável e futuro

não queres sal
nem mais fruta verde
amarga dureza ou
fome de morte
nos teus caminhos

avanças de voz baixa
cabeça erguida
resolutos passos
com os braços carregados de tudo o que
por fora
te acontece

já nem me acenas
e ao meu exagerado amor

no meu mundo deixaste outra
a fazer de ti
que parte pão eternamente

e nunca apanha as migalhas

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Exílio

enquanto ouvia os teus velhos segredos
a cair
(um a um
nas carruagens de trémulo azul,
o comboio continuava
(assombroso
a sua viagem ao sombrio vale
(rumo ao fumo
entre pontes de vinil e desesperados montes
feitos com caixas de ovos
revestidas a fungos e líquenes
tão antigos como a tua primeira morada

chegava-me a eles
de flanela nas mãos
e toda sorrisos sem preço
pronta a silenciá-los num suave embrulho
e a arrancar
(ao quarto
dois metros de carris
enquanto o rufus martelava
as vantagens do exílio
nas teclas pretas

mas a mudez
que à cadência dos teus segredos sucedia
como remo afundado
pássaro estendido
ramo seco
nunca me satisfez

por isso comecei a cavar
(de enxada ao alto no soalho
contra a fome
que em segredo deixaste
neste coração exilado

terça-feira, 5 de junho de 2012

Pai

cabe a minha infância
(e os teus afazeres
no ferro velho.
e aquela fotografia
contigo
(de dedos enlaçados
as botas ortopédicas
as jardineiras
os sonhos todos na medida da franja
no quarto atrás da escada.

serve o meu espanto
(e a tua ausência
para medir
(ainda
o amor que levaste
no padrão repetido da gravata
(em cinzas
que foi do meu irmão.

pudesse eu lembrar-te
sem me tremerem os olhos
(como me tremem as mãos
e permanecerias de pé
crescente na terra
entre as flores
(e os meus afazeres
apesar de nós.