terça-feira, 14 de junho de 2011

São as horas

longas são as horas em que redesenho o teu rosto

na superfície indefinida da memória
só o espelho sabe que ainda me mexo
enquanto retomo o tremendo amor
que numa noite despida me entregaste,
muito antes de te escrever o primeiro poema
e do efeito secundário dos teus olhos na minha boca.

longas são as horas em que me adio pelo teu corpo

na superfície segura da memória
observo-te a dançar she works hard for the money
e depois a fatiar corações numa tábua de pinho
como se não tivesses outro quotidiano que te servisse.
pergunto-te por mim,
se me vês e se
ainda te lembras do sismo suado que nos fendeu o peito.
tu dizes,
sou uma menina sem maldades,
e temendo que eu duvide apressas-te a puxar o decote.

longas são as horas em que te cubro de terra

na superfície calada da memória
em êxtase olho a paisagem que me resta até ao fim da fome
e desconvoco o cheiro a flores e os violinos.

tu encostas-te ao parapeito e sonhas comigo.

sábado, 11 de junho de 2011

O silêncio é de pedra

é ascendente o trajecto que me leva aos teus braços.
vou resoluta como quando atava fios de pranto aos pulsos
e temia os teus olhos.

atropelo a mulher descalça
que caminha no sentido contrário do amor,
a atirar-se contra os passeios
e a espreitar pelas janelas.
ignoro o homem de cinza que vende
pantomimas tão perfeitas que parecem vidas
e parece feliz e sabe onde vou.

enfio pelas ruas impossíveis, pelas arestas
pelos passos sombrios.
na subida
não reparo nos anjos como dantes
nem nos lábios bravios das raparigas,
às vezes encosto-me a uma rocha e durmo
e aos sábados paro para sonhar.
pela manhã
lentamente dou corda ao relógio da nostalgia
e na solidão que procuro encontro a tua voz que repete
o silêncio é branco
o silêncio é preto
o silêncio é de pedra

não parte.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Novas histórias de água trémula

enquanto celebras outro amor
e eu sei na carne que não chego a morrer contigo
tomo nova forma de corpo
e abraço vigilante as nuvens
felizes por serem
como eu e tu
vapor do ribeiro seco que nos foi cascata e maresia.

guardo o embrulho do último rebuçado que aqui comeste
e o desenho dos teus dentes à cintura.
tenho o álbum de fotografias, o disco das nossas vidas,
o estojo onde a tua vista dormia.
e viajo em chamas, implorando à noite que me cubra.

assim me encontrarás quando vieres:
no teu pequeno coração encolhida
e sem querer adornada a lume,
a inventar novas histórias de água trémula
contra a pena do teu desejo perdido.