terça-feira, 29 de março de 2011

De joelhos no futuro

de tanto em tantos olhos te procurar,
perdi os meus entre crepúsculos brancos
e bolas de espelhos:
luzes apagadas são hoje.
acordam vazios todas as manhãs
e de joelhos no futuro rezam como bocas a celebrar
a diária sobrevivência
da esperança.

coincidiram com os teus
por um breve momento que parecia estar crescendo,
até se estatelar contra a cicatriz
que no íntimo as tuas mãos esculpiam
sem que eu pudesse saber.

à sombra olhavam-te firmes,
ao sol amavam-te até ao último grão de víscera.
e deslumbrados sorriam,
mesmo quando à mesa te serviam perguntas
que comias e bebias pelo avesso
sem responder, e enquanto repetias
só o impermanente permanece,
impondo-me a evidência.

agora gostava que gritasses comigo
estes silêncios que partilhamos
enquanto subimos em caracol
esta escada altíssima,
de frágeis degraus rumo a exílios
cada vez mais distantes.

e me contasses como foi
a primeira noite em que me esqueceste.

a ver se reacendo os olhos neste terrível país,
estrangeiro de ti.

quarta-feira, 16 de março de 2011

E morres sete vezes

abro a porta desta casa moribunda
e para o último confronto te resgato.

amor não é combate, dizes. nem joelhos a tremer, digo eu.

e corro as persianas para te acossar
enquanto me recolho às claves de sol sobre o piano,
surda ao teu torpor na minha fúria cega.

tu baixas os olhos para a curva do meu colo
e cerras a boca num murmúrio próprio
dos que são velhos na terra, ainda que inocentes.
eu procuro não avaliar a manhã que tarda
pela noite que me abraça.
e às tuas mãos me atiro
em busca da minha própria idade. e brindo contigo
à memória secreta dos dias já mortos,
os únicos que deixaram de nos doer.

o desejo recém-nascido mal segura a cabeça, dizes.
e eu digo, a vida comeu-me a esperança de sentir.

cada sílaba que desentende o silêncio
faz-se ao poema e fala arrogante do que não sabe.
eu encolho os ombros e apresso-me a recoser-me
em coloridas linhas à tua presença
enquanto calo os amigos de papel
que sobre a secretária se insinuam,
certos de que hão-de seduzir o meu punho.

mas não me convencem.
não enquanto te impuseres tu à minha página em branco
com essa calma de quem se acredita a salvo.
e definitivamente não enquanto resistirem
paredes de vergonha em redor da nossa ira.

ataca-me, digo. e tu dizes, não te devo senão beijos.

em queda me encontras, delirando-me em universo.
em paz te vejo eu, migalha feliz à medida do que és.

e morres sete vezes no meu peito quando fechas a porta.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Cambaleio

a insuperável unidade dos nossos corpos (em breve apagados
dói-me como a natureza.

e escavo abraços para dentro.
e colo literatura à pele.
e em minutos me refaço (para te ausentar de mim.

sem sentidos cambaleio na tua resistência
(à meia-idade.

e fecho o documento.

vou no casco do poema
para me entregar em grito
no teu centro. ou para te encontrar
(onde não há palavras.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Carnaval

do amor que me tens, faz colares e cabeleiras.
deixa a angústia trancada no quarto
e vai dançar.
bem sei que é como a gordura,
vem sempre à tona por mais que não queiras,
mas estes são, concordarás, os dias certos
para esquecer.

quem não sabe não verá
o longe que estás de ti
e o quanto te fere a desastrosa passagem das horas
nessa solidão necessária
que o rilke te ensinou e desde a morte de kane
segues como verdade.

é tua a escolha, agora.
não abrir os baús
a cheirar a mofo
a velho,
pó que acumulas sob a pele.
e arejar as plumas.

junco de haste quebrada,
disfarça o sangue
arranha as janelas
brinca aos foliões.
destroço de sinfonia indignada,
mistura-te no ritmo eléctrico
e brinda ao porvir.


quarta-feira cai o pano
e reacendes o teu reflexo no espelho,
feliz mais ou menos
de passado a iludir de raspão
essa noite sem fim.