quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Serra

já a noite engoliu os rochedos

na varanda teimam
as memórias a tremeluzir nas velas,
ainda te espera um copo de vinho
uma ladainha fraterna
um palácio de beijos.
e sentas-te num degrau de pedra
para rezar
missas inteiras com aroma a love story,
as horas a passar-te confusas pelo sangue
as mãos nervosas por distracção,
a música em vez da língua
o sonho em estado de pele.
e os uivos em eco.
eu chego-me a ti
com as minhas elaboradas concepções do mundo
o casaco de lã, os cigarros
um tremor nas pernas com cadência de tango
dois suspiros para tentares agarrar com os olhos
e um presente de instantâneo amor
que desembrulhas sem sorrir.
dizes inverosímil,
que a queda não te aconteça.
e eu digo,
nunca antes de me seres essencial.

pisamos atabalhoadamente
de mãos dadas, à tua vontade
os juncos que deveriam estar no rio,
chão nosso por um instante,
e só o teu desejo fala ao meu consolo.
depois
as árvores calam-nos
quando nos encostamos
a ternura abre-nos um sulco na carne
e mistura-nos como ar.
eu digo impassível,
há luar nos teus braços.
e tu dizes,
todo o abraço tem uma gota de azul.
então afastas-me
cambaleando desligas as estrelas
sobes devagar os degraus de pedra
e puxas-me para casa.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Sonata

na ânsia fátua do segundo andamento
(dolente
que abstracta vibra no meu peito à espera de continuação
tento interminavelmente viver para hoje
(sem pressa.

estremece comigo o teu corpo
em milagre acontecendo no calor
das minhas mãos.
investigo-lhe os sinais escavados na pele,
mapas em relevo que de noite vejo melhor
e em silencioso rosário
oiço avançar
como bravos navios nas pautas imateriais.

do espelho recorto as chamas,
crepitante chuva de pessoas caídas
diluindo-se breves
nas águas da memória,
lamentáveis como mortes prematuras,
para guardar no fundo dos erros mais imprudentes.

e esqueço as violetas de lume
(dengosas
que ainda brincam na imagem,
como na outra vida, minha
sem a leveza dos beijos.

e apago as manhãs sempre velhas
(devagar
como corvos, enlutadas
apesar do balanço do sol nas janelas
que diariamente de coração aberto
se fechavam à entrada dos sonhos.

agora contigo
estremece
(pouco a pouco
o meu corpo
em cascatas
(variantes
de remanescentes harmonias.

e no teu abraço
(em todos os tempos
atraso
a conclusão.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Rotação

enquanto acordas, eu
lucidamente consigo ouvir-te a largar dos membros
o repouso.
vejo acender-se claramente
essa pequena, como eu
temerária chama
de terno amor jovem (à
um quarto para as duas,
afadigada e radiante
como os anjos de luz, as ameixas e as alvoradas tardias
que à volta dos teus braços se enrolam,
pulseiras de lume
em rotação,
rosas dos ventos com sentido,
ramos frágeis numa equação em espiral
sem esfera definida
ou categoria sequer. liberdade em movimento.

enquanto tu,
nua,
acordas, eu (à
um quarto para as três,
sorrio horas adentro
em contido júbilo, mas real.

és minha e viva
e quase te permites aceitar
a vontade da alegria, o meu tamanho e inclinação.
acordas (à
um quarto para as cinco,
para o meu rosto sonhador,
e tocas-me
até ao coração enquanto o mundo dorme
e os morcegos cantam
ainda.

abres os braços, as pernas,
a alma,
e eu (à
um quarto para as seis,
esqueço-me do tempo
e naturalmente
entro em ti.