terça-feira, 29 de junho de 2010

Revólver

o meu coração é um revólver
que carrego de balas líricas

perigosos sentires indizíveis
pulsam nele e tornam-se poemas
que disparo
e ora ferem ora enlevam
mas sempre levam para um tumulto sem fundo
o mesmo tumulto que no meu peito divaga.

e por ele me amam
e por ele me temem

como quem ama e teme o mar,
o mar que mata e alimenta o mundo.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Sem tamanho

num certo momento tu eras o futuro
inteiro vasto fundo
e todos os meus pensamentos soavam a música,
em compassos imaginários compondo a canção perfeita,
para que a dançasses
e eu te visse a levitar
na minha etérea melodia.

num certo momento a síntese de nós era o futuro
pleno inchado longo
e as minhas velhas dores gangrenavam de vez,
feridas escarlates tornadas cicatrizes de ferrugem,
para que todo o meu interior se abrisse ao teu espaço
e pudesse enfim abraçar-te.

mas tu não viste.
nada viste senão o teu próprio pranto
e a cinza a ameaçar os teus cabelos.
nada sentiste senão a tua sede, a tua fome,
a tua espera, as tuas melancólicas rugas,
o teu medo.
e na tua impaciente cegueira morreste-me
à janela do tempo.

agora
no branco marmóreo do presente
leio que por vezes
o futuro dura mesmo só um momento.
e nenhum momento tem tamanho
para estancar para sempre
dois corações que sangram desde o primeiro fôlego.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Personagens

trazes o peter pan à solta nos cabelos,
a alice de espanto nos olhos,
o corto maltese nas unhas
que te equilibram nas rochas da praia.
e o incal que abraças finalmente te tolda o umbigo.

não sei para onde vais com todas essas personagens
que às cómodas mentiras te vedam.
e a noite translúcida no mar,
essa verdade adolescente
que o ramos rosa citou,
despenha-se pelas manhãs no teu caminho,
iluminada apenas pelo astro seminal
que em dias claros desponta no teu peito.

mesmo em honesto desejo pulsante
jamais serás baía tranquila onde flutuar,
tal como eu nunca serei o oceano revolto
por que aspiras.

o meu sonho hoje
é só um mergulho vertical.
desalmado e mal amado
e todo feito de transparências
a deslizar num arco-íris que chora
e que em música se embala.

por perecível que o meu corpo seja,
resisto ainda.
e faço-me e desfaço-me e refaço-me.
e por ti passo
feliz
na companhia de tudo.

o resto da vida é pó.