sexta-feira, 30 de maio de 2014

Pianos

visito a última praia em que nos tocámos
(e toca olafur no rádio do carro

saio para caminhar e molho os pés na nossa história,
então ainda sem desfecho,
ajustando-se melhor ao incómodo de um quarto bafiento
que ao imprevisto óptico que dele nos tirou.

abro a porta desenhada na minha memória de nós,
atravessada de lumes e silêncios agarrados à pele
(e o rádio cala-se, à minha espera
depois reparo que cresceram árvores nas dunas,
talvez para dar sombra ao teu nome,
que ao sol me seca o coração,
e deixo-me ficar até sentir na boca
a água atlântica
que a tua boca deixava na minha,
até sentir nos braços o tempo escasso
em que trocávamos magias
com as mãos enlaçadas
como poemas de carne e amor e sal.

vejo a luz estilhaçar-se nas ondas
(e todos os pianos anoitecem no rádio do carro

enquanto o horizonte escurece,
imune à fogueira que acendo
nas trevas,
neste areal luminoso como janelas
(agora sem gonzales sequer
despeço-me,
de novo, e já sem mágoa,
de ti.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Ouço um fado

parto o que encontro, quebro por dentro, a saudade fala
ouço um fado, quadras, mais nada.

não sei que faça a tanta noite
como não sei que fazer a este dia
ao nascer já magoado
a ranger como papel de jornal
sem as tuas doces mãos a impedir-me
de partir o que encontro
de partir,
por dentro quebrada,
a fingir que não ouço a saudade
forçando-me a chorar.

ouço um fado, quadras, mais nada.
e piso a chuva no caminho.
são lágrimas, digo.

tu pedes silêncio e apagas a luz ao sol.