segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Na última pedra bordada de sal

dobro a onda que me enrola
de flanela rente à tua respiração litoral
e estico o mar nos olhos
(tingidos de cinza,
espreitam-te a morte nas acções distantes.

as chamas arranham-me o espírito (sem novas palavras
desfaço
a ternura em farrapos, as dores em gotas
(altos luxos
despenham-se das nuvens que perguntam as horas
despenham-se no sítio das cantigas, do medo natural
despenham-se sem coroa nem brilho
na última pedra bordada de sal
(e lavo os dentes contigo, lado a lado,
a perda de tempo prevenindo.
todos os dias
bebemos demasiadas certezas, digo.
e tu dizes, nada há mais instável que o desejo.

sob o mistério da luz ofereço-te as mãos em florido desespero,
enquanto roda soul (your love was meant for me
na orla do sol
e os teus gestos reservados ao amor repetem-se no meu corpo.
todos os dias
o consolo chega tarde, digo.
e tu dizes, também as folhas falam ao vento sem que as oiçam.

e os meus gestos (vulneráveis, cantando
abraçam a longa travessia de regresso à solidão.

como sabes,
espera-nos outra vida.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Entre estas paredes

o amor era agora,
quando dávamos as mãos à minha incontinência romântica
e atravessávamos sete colinas e um sonho
no teu silencioso olhar.
o amor era agora,
quando não largávamos a cama enquanto há sol e há chuva,
dois vulcões de carne sem ponderação nenhuma
e as horas a esvair-se nos lençóis.

saíamos de braço dado,
como as marroquinas sem malícia
e os casacos até aos dentes fechados como cartas.
havia festa no cais do sodré, os sorrisos perdendo-se pelas esquinas
e resvalando em desperdício pelas sarjetas.

a música já esteve pior, dizes.
e eu digo,
só não danço sem ti.
até voltarmos para casa.

o amor seria agora,
enquanto a massa dos crepes escorrega na sertã
e nós em turva lucidez a misturar o gershwin na canela.
o amor seria agora,
com a minha boca molhada de visita à tua pele.

o amor seria agora, entre estas paredes.
e fácil. mas a cidade não vê.