segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Nuvens (à tua passagem

o vento
(filho de um diabo preto
eleva-se. fustiga o telhado
bate às janelas
molha de cinza as frestas da casa,
os segredos e as carpetes.
e larga-me água no peito.
para que bebas.

eu voo rente à tua sede e respiro fundo.
olho longe, oiço vozes, escavo a noite.

e remendo o coração desolado
neste mundo paralelo ao teu sorriso,
eléctrica rota que só tocará a tua quando
nos empinados caules
começarem a abrir-se corolas
incandescentes de polén
a partir da raiz das nuvens.

essas mesmas nuvens que à tua passagem
se encaracolam e sobre o gelo
do meu corpo (fechado se estendem
para que as alcancem as minhas cansadas mãos
e todas as palavras que não salvam.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Saudade (bem educada

o que terão os teus olhos
para me contar
quando por eles tornar
a passar os meus, aquáticos
?
o que terão as tuas mãos
para me oferecer
quando de novo tocarem
nas minhas, mordidas
?
o que serás tu (nesta perpétua metamorfose
mais adiante na vida,
nessa hora em que
o meu espelho já não sejas,
o meu rosto já não saibas,
o meu sentir já não adivinhes
?
vincaste o teu norte no meu peito
ao partires.
no meu sangue a tua bravura,
o vazio nos meus braços,
e sabor nenhum na boca
além do interdito, nenhum sabor na língua
além da derrota
.
deixaste as lágrimas acesas
ao partires. e o candeeiro
estragado. e a cama livre e a imensa
nudez de areia em queda
nas paredes. e
arrumaste
os meus sonhos na estreita cave das cores esbatidas
onde
só o riso das crianças (que não soubeste abraçar
volteia na minha desamparada dança
de suspiros virados ao infinito
.
nada digo que valha o teu regresso.
a saudade (bem educada
acomoda-se ao futuro.
já não grita, apenas balança. e cabe agora inteira
num único verso. que
à derradeira hora escreverei.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Desarticulada

aliso os poemas que me falharam.

do balde assomam-me em sangue seco,
o meu fracasso evidenciando.
e engomo-os para melhor meditar na minha frustração.

mesmo a olho nu sou um osso em fuga
vigorosamente desarticulado e às próprias
cartilagens avesso e letal,
sem lugar no outro nem destino no mundo,
até ao tutano.
mas em espinhoso almofariz
misturo-me com rosas e chamo-me vida,
aroma de envolver abraços e odes de amor ornar,
na fé permanecendo.
e levo-me para fora de casa sem uma hesitação,
esperando que o perfume do teu desejo não me siga
escada abaixo.

quem me quiser há-de ficar lá dentro, a ver-me
no balde insone, dobrada, por engomar.

um osso sempre de partida
que na tua ausência se faz ler.