terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Marioneta

suspensa no tempo como uma marioneta
de cigarro nos dedos
fumo para me agasalhar
(o teu abraço em falta,
o teu olhar longínquo,
a tua raiva ainda ardente.

é um jogo sem fim, este,
em que como uma marioneta
de cigarro nos dedos
dou voltas ao meu papel na tua vida,
a fumar
enquanto luto por um caminho de paz.

mas todos sabem
que lutar a sós
é tão inútil como fumar:
não dá rumo às marionetas que somos,
suspensas no tempo que nos coube para sermos
(sem direcção, texto ou didascálias,
sempre a improvisar
mesmo quando o acertado talvez seja sair de cena,
depor armas
e fumar apenas,
em silêncio, na paz submersa
(e esquecer.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

O medo era uma página em branco

o medo era uma página em branco
a bloquear o poema.

na verdade não passava de um rumor,
indistinto como nevoeiro,
mas nunca parava,
e ainda se punha em bicos de pés
quando eu tinha a coragem de desviar os olhos dele.

às vezes corria as cortinas sobre aquela brancura,
resguardada em dias novos onde nada me tolhia,
entre brincadeiras vagas e jogos absurdos,
feitos de ilusões, com sabor a alegria.

mas ele encontrava sempre maneira de as atravessar,
vibrante de luz, resiliente,
a magoar os meus tristes olhos,
despojados de ti.

caminhava contra ele, a favor do vento,
e ia envelhecendo,
com vista panorâmica sobre o sal das minhas rugas
e as ruínas dos meus desejos,
lembrando as nossas mãos entrelaçadas
a cada manhã
sem esforço nem expectativa.

depois vi-te passar
e o teu gracioso balanço
encheu de força o meu pensamento,
ansioso por voltar àquela noite
em que pela primeira vez
as nossas mãos se entrelaçaram,
gritando-nos que o nosso princípio era anterior a esse momento,
que o nosso amor já o era
antes de o começarmos,
antes de começar a ser esta árvore tímida
que se agiganta nos céus,
indiferente ao peso dos pássaros
e aos cabos eléctricos que lhe servem de vizinhos.

então afiei as garras
e, de dentes cerrados, num impulso feliz,
rasguei-lhe a luz e,
qual fera à mercê de Sansão,
despedacei-o heroicamente.

e, alisando as rugas e a alma,
de desejos reconstruídos com os fios da esperança,
verti-o em poema,
para ti.

tu aceitaste-o. ainda bem que vieste, disseste.
já era tempo, disse eu.
e sorri com olhos audazes, de frente para o futuro,
reconhecendo finalmente
que o medo só afronta quem do amor duvida
e que o maior perigo é perdê-lo enquanto ainda respira,
enquanto nos pode guiar, sábio, vida fora,
a partir dos nossos corações a bater juntos,
das nossas bocas unidas em beijos,
dos nossos corpos incansáveis,
misturados num frenesim de riso, ritmo e suor,
a escrever sem medo,
a sangue verdadeiro,
as páginas que nos sobreviverão.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Janeiro feliz

neste janeiro feliz
que o teu abraço aquece com fogo verdadeiro,
procuro as palavras justas para dizer como o teu corpo e o meu
são um do outro
e por isso os nossos corações batem juntos,
tentando acertar-se a todas as horas.

neste janeiro luminoso
pintas-me de sol a vida num amplexo vertiginoso,
nua na minha cabeça,
as tuas curvas a dançar comigo,
rumo ao céu, ao chão,
rosa dos ventos inteira,
e quase desfaleço de alegria.

promessa de verão em pleno inverno
nascida das tuas mãos para a minha boca,
sorriso que não esmorece,
antes se propaga, contagia,
é lume só nosso e
não há quem não repare nele,
a subir-nos pelas costas,
a descer-nos pelos queixos,
desenhando primaveras secretas na nossa pele e enfim
aconchegando esta interminável queda,
ornada de flores,
soprada pelas cores da audácia
e pelos sabores do desejo
a que sem receios nos abandonamos.

neste janeiro suave,
em que me permito ser só riso e dádiva,
orgulhosamente tua,
estatelo-me no amor,
com gosto,
como gosto,
agarrada a ti.