terça-feira, 9 de abril de 2013

Reclusão

de lagartos amarrados uns aos outros ao pescoço
e uma ideia remota de sol
(incapaz de te secar as poças de dentro
espremes insónias para cima do piano
e acolhes a criança encolhida há anos no armário
nos teus braços
bem dobrados

lá fora
recuperas. e quase consegues ver.
bebes da taça de granito
(a dos pássaros que sobrevoam a primavera
e sem receio voltas-te para o frio
repartindo as frutas pelo arvoredo japonês.

mas não avanças.

de volta à casa
vasculhas na gaveta
(impoluta como um cemitério de aldeia
o vazio do tempo perdido
onde lês que os olhares nunca se perdem
nem sequer se esgotam no acto de olhar,
numa carta esmaecida que um dia
(muito antes de teres escolhido a reclusão
te cobriu de beijos.

em êxtase cais
de rosto ainda virado para a noite
e o mais novo testamento
(esculpido pelas traças
inscreve-se no teu peito.

a porta do armário fecha-se,
acidental.
o piano desata a rir,
os lagartos despertam.

mas nem pestanejas.

longe de mim e do mundo
deixas fugir a criança.
e enredas os fios
da tua própria mortalha.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Para voltar à nuvem

a chuva inunda a natureza
e eu repetidamente
estendo pontes entre a minha boca e a tua
enxuta como a raiz dos cabelos
na semântica da tarde

sonolenta escondo na terra
tudo o que merece ser poema

e lavo a memória neste inverno póstumo
simplificado pelo amor feliz

para voltar à nuvem que desagua nas tuas mãos