quarta-feira, 9 de abril de 2008

Desarmonia

no tempo em que coleccionava harmonias, havia folhas de hera a encaracolar-se no alvo edifício que era o teu corpo.
num sopro litoral aceleravas, como a canção do zorba.
dançavas aos pulos, a galope no charme, de echarpe lunar encaixada entre os ombros.
e atiravas copos à fogueira em nome dos prazeres da noite, com beijos calados na língua, sem língua que falar.
eu coleccionava harmonias.
trancava-as em sorrisos ordeiros, comprimidas sob compassos binários e estéreis ilusões estéticas.
nada de notas dissonantes, nada de sons imprevistos.
refrões demais. e nenhuma redenção.
até que te imobilizaste, sem intenção definida senão o caminho que a mim levaria.
e desarmaste as minhas épicas harmonias.
desarrumaste a colecção que há dezenas de anos eu ordenava.
e ofereceste-me ao caos, ao colorido caos teu a que hoje pertenço, sempre em trânsito como o universo.
a vida é uma eternidade descontínua, disseste.
e moldaste a minha nova casa a fibra e magma, em linhas curvas e traços navegantes. pintaste-a de suspiros quentes, em tintas metamórficas com a espessura do desejo. decoraste-a com estilhaços de música e acordes marítimos, numa arquitectura tão simples como as árvores, com alicerces de chocolate e a textura dos sonhos.
eu entrei nela vestida de nada, como se entrasse num círculo mágico de anões gigantes e plumas trágicas, destinada ao êxtase de um aplauso interior.
e disse: não há trapézios seguros.
só então voei. envolta no teu abraço e sem sair da marquise. transparente como os vidros que a enformavam.
firme como as suas vigas. plena como o espaço dentro.
e indefesa.
mas finalmente preparada para cair.

Sem comentários: