quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Fondue

as mãos de deus percorreram o teu corpo, deitaram-se sobre o teu ventre, pressionaram a tua anca, arredondaram-se nos teus seios. e eu vi-te a rasgar o céu em voo picado.
para onde ias não sei. mas o teu gozo era imenso, escancarado na tua boca de riso, montado no teu rosto antes imperturbável, sobreposto em cores garridas à tua agreste e fecunda razão.

estacaste quando os nossos olhos se encontraram.
e, recortada no azul, flutuaste por momentos a revolver os bolsos, como se procurasses trocos para o parquímetro.
até que me estendeste um garfo e disseste:
mergulha a fruta no chocolate e abre-te ao amor com subtileza.
a minha vaidade não deixa, disse eu.
então o espelho partiu-se e dos estilhaços fiz um diário.
abraçada ao vazio na solidão ventosa do alpendre, caminhei, pulei e corri, de nervos latejantes e coração em fúria.
depois comi a fruta e lambi o chocolate, enquanto a brisa te segurava ao éter.
e no instante em que de novo ascendeste,
apaixonei-me por ti.

dias depois as mãos de deus percorreram o meu corpo, deitaram-se sobre o meu ventre, pressionaram a minha anca, arredondaram-se nos meus seios. e eu arranquei as plumas, embrulhei os brilhos, arrumei a peruca, desfiz-me dos acessórios e da maquilhagem.

hoje esculpi em sangue uma cópia do garfo que me deste.
servi o vinho, acendi a lamparina, sosseguei o coração.
e sentei-me à tua espera.

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