sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Quero sair

arrasto mulheres pelos cabelos.
disponho-as clinicamente com mãos de lacaio e afago-as por vezes por momentos, medindo-lhes a pele e confirmando-lhes os sem-sentidos.
estão ali, só ali, interligadas de fios sem rosto.
frias
objectivas
unas.
como eu não.

(neste triste soalho humano, de pernas cruzadas sob a mesa baixa oriental, um dia levaste-me sushi à boca.
lembro-me ainda da textura do rolo a desfazer-se na minha língua.
como ontem tu.)

esta realidade é um carrossel subterrâneo, digo,
pára-o, por favor, quero sair.

descrevo-me em fósforos frágeis
e uso alfinetes para acender os cigarros
(não sei como ardem as chamas neles
mas a verdade é que consigo fazê-las arder sempre. e ficam a tremeluzir na penumbra vazia da sala enquanto leio a ininteligível stein.)

engasgo-me num grão de arroz e tento refazer-me ao som do night dominator. o ritmo empurra-me contra o pavimento,
puxa-me para o tecto,
açoita-me de vermes e beijos
quentes
subjectivos
múltiplos.
como eu sim.

sei que não há embate sem senão
nem firmeza eterna
ou guerras bonitas.
e que as mulheres no soalho vão perdurar.
como nós não.

no fim de tudo restará a frivolidade dos momentos festivos.
e os meus filhos recordarão as minhas mentiras ou o meu amor.
(o que mais poderoso for, o que mais força tiver, o que mais genuíno lhes parecer.)
e hão-de pisar as minhas mulheres sem que o saibam. e pregar quadros babilónicos nas paredes, em homenagem à arte que não me salvou.
a que horas vens?
quando exactamente tencionas matar-me?
terei tempo para mais um cigarro?
(acendo um alfinete.)

2 comentários:

Anónimo disse...

Vês como tenho razão? são fantásticos. beijo

Anónimo disse...

Vês como tenho razão? são fantásticos. beijo