quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Até na lama

trazia ervas daninhas nos dentes, caminhava na lama e ouvia repetidamente os soluços do mundo
(toda a vastidão do planeta é feita de carne humana que chora,
disso já eu sabia há muito

mas, naquele dia em que não nevou vermelho nem choveu púrpura, foi quando escutei pela primeira vez o teu silvestre pranto de pólen, misturado nos húmidos uivos globais.

a percepção desse instante mudou-me por dentro
(como deves recordar-te, passei a andar com colares de violetas ao pescoço e dentes-de-leão nos olhos a desfolhar-se lentamente em brancas lágrimas voadoras.
e passou a ser-me possível amar todas as coisas e vê-las crescer e tocar-lhes e senti-las como manifestações de ti
e desse teu fecundo efeito floral em mim.

hoje, quando choras, oiço cordas de veludo
(tecido em pétalas de rosa,
dedilhadas como harpas.
e às vezes flautas de espuma atlântica
a soprar nos lábios azuis do vento
e toda a beleza toda a ventura toda a magia toda a cor
toda a fragrância do mundo
(até na lama.

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