segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Dos rios

quando levantas o vento, há chamas que me abraçam.
sinto-as queimar-me por dentro e envidraço-me por instinto.
olho para fora e vejo tudo. mas nada me fere senão o teu sopro de dúvidas e pele rasgada.
sei que desejavas o tempo desmedido e o lugar da comunhão e o enlevo da fé, que querias o amor perpétuo em perpétuo movimento, mas perpetuamente nas tuas mãos, como coisa palpável que não é.
e que, como a todas as pessoas do mundo, devia bastar-te existires para mereceres todas as realizações, a todo o momento renovadas e em alegre construção.
mas não sabes como.

quando levantas o vento e despejas as coisas da alma no chão, o meu nome desenha-se na tua boca e eu permaneço na camada de transparência das altas temperaturas, a hesitar nos passos, nas lágrimas e nos gritos.
reparo que conheces as cores da loucura e os prazeres da cor, vermelhos e azuis e amarelos em fusão solarenga, como os nossos corpos nas noites que murmuram.
e noto que por vezes consegues ouvir o inaudível, até o meu sangue a inchar nas veias e as veias a doer-me e os meus lábios a acordar.
mas não consegues fixar-te. atormenta-te o que perdes entretanto, tanta e tanta vida em ilusória leveza cósmica, éter de original inconsequência e em inconstante devir, sintonizado com a poeira das órbitas e o hálito das galáxias, frágeis e mutáveis como os nossos corações sedentos de atenção.
a constância é erro, dizes.
e eu digo: esqueces o progresso dos rios.
o que convém ao universo, entre correntes e convulsões e desalinhos, é um eterno retorno que avance, mais do que o acaso das estrelas desgarradas das constelações.

não há uma maneira correcta de dar nem uma medida certa para o amor. nem flores que não murchem, nem terra que não renasça.
toda a natureza tem destino.
e tu não sabes para onde vais.

1 comentário:

tita a disse...
Este comentário foi removido pelo autor.