nenhum bocado de mim é teu
a partir de agora
nada mais quero dizer-te
senão que no espelho me resto,
completa na água que a alma me apaga
e se evapora para dentro da moldura
onde ainda ontem te reconhecia.
arrumo atrás da cama as marionetas,
que de certa maneira à noite me abraçam
até me adormecerem o sangue,
embrulhadas de enfarinhado alumínio
para que não mais me falem.
devo-lhes a contenção dos últimos dias
e a jornada impetuosa
que ao teu colo me tirou
mas não sei como
sem palavras
do feito recompensá-las.
cobro-lhes entretanto
esta viuvez em chamas
que sigo como doutrina
até deitar fogo aos teus olhos
na memória reflectidos.
e o riso inseguro que espalho pelas mesas
basta-me desta vez,
enquanto não te espero no banco de jardim
e à entrada do auditório,
no cume da serra e à porta da igreja,
no canto do café e no rochedo da praia,
com os bolsos repletos de fios inúteis
embaraçados como quando por descuido
deixava cair as marionetas
antes de chegares
e as mãos felizes à chuva,
vazias de papéis.
nenhum bocado de mim é teu
a partir de agora
podes segurar-me a cabeça no eléctrico
quando largarmos a graça.
quarta-feira, 18 de maio de 2011
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5 comentários:
Palavras fortíssimas.
Desejo que os seus poemas/histórias sejam ficção, que não tenham um destinatário. Se tivrem ele deve estar mais morto que vivo...
morre-se de palavras, oh anónimo?
Rita, gostei muito de vir conhecer o seu espaço. Obrigada por, de alguma forma, me ter ensinado o caminho.
Muito bonito, este poema.
Beijinho
Seja bem-vinda, Virgínia, também eu gosto muito dos seus poemas. Obrigada e volte sempre!
Sim, as palavras são armas que podem matar de uma forma lenta e corrosiva.
Concordo com Virgínia, poema muito bonito, porém arrazador.
Continuação de boas escritas a ambas!
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