quarta-feira, 30 de abril de 2025

Este velório de anos

primeiro foi a pele.

teria havido indícios. 

na conversa fluida,

um escritor citado, uma memória de escola, um par de piadas, os risos.

e na esquina da rua,

um vagar curioso, uma troca de nomes, um par de passas, os charros.

até na pista de dança,

um movimento aleatório, um menear de ombros, um passo repetido, as voltas.


mas foi primeiro a pele 

a ponte para o reconhecimento.


abaixo, um rio corria.

águas profundas de orvalhos antigos 

à mercê das correntes do tempo.


acima, traves de névoa bolorenta.

vapores de insanidade cansada

a pôr termo aos tremores do corpo.


e adiante,

onde mais dói

um amor sem salvação

a desaguar neste velório de anos.


quando desabarem os pilares

e ficarem só ossos

sem pele, sem carne,

deixaremos de sentir?

sábado, 26 de abril de 2025

Dúvida e caos

é verdade toda essa alegria quando viajas nas ternas graças do mundo novo? é loucura todo esse desejo quando cavalgas pelos ardentes bosques por estrear? e esse empenho, quando rezas e essa certeza, quando dás bastam-te para desdizer o passado? eu prossigo toda dúvida e caos trémula, perdida, embotada a viver de mãos abertas prontas para agarrar qualquer rio que passe a dormir de coração fechado para não morrer sempre que me visitas os sonhos. mas que a tua silhueta me impressione não posso evitar. e perco a noite num espasmo dançante. pela manhã borboletas nos meus olhos batem as asas descontroladamente. cegam-me, estonteadas, a pedir-me para voar até aos teus braços. como se nunca te tivessem revisto.