segunda-feira, 3 de março de 2008

Construção

moro nas palavras que te invento, num edifício de paredes finas como a pele e janelas enfileiradas, viradas umas para as outras e para dentro, por onde passam vapores emaranhados, quase alcoólicos, desprovidos de gente e pardos como o mundo nas horas do crepúsculo.
há uma porta por onde ninguém sai.
e por onde tu entras em muda nudez resplandecente,
como sabes que gosto de te ter.
sob o alto pé direito da entrada, bebes leite azul mungido ao céu das tardes primaveris, encostada ao papel de parede estampado, caligrafia de desenhos morenos que em mim se tornam versos líquidos, capazes de circular na pressa das minhas veias, artérias e demais vias verbais.
mostra-me a eternidade, dizes.
aqui é a região do instante fugaz, digo eu.
e prossigo a minha construção literária, pé ante pé em tijolo miúdo de tinta e sal, nas linhas brandas da palma da mão de deus.
e mantenho-me a caminho da plenitude sem sair deste lugar de festa e reclusão, procurando a comunhão com todas as coisas num entendimento gémeo da esperança.
e continuo a deitar-me no efémero colchão desta poesia que se escreve a si mesma através dos meus dedos em chamas.

sempre é um agora repetido em termos infinitos.
espalhados na noite, como estrelas.

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