terça-feira, 13 de janeiro de 2009

À noite

à noite o teu nome foge-me dos lábios, volátil e sonhador como este fumo branco em que se entrelaça na janela aberta. e mistura-se nos inúteis beijos que me tomam a boca, aqueles que te daria se aqui estivesses.
arranco-os resoluta à carne, atiro-os sem pudor e, antes de fechar a janela, vejo-os esmagarem-se no chão e mancharem de desejo mudo o passeio rente ao prédio.
no ar fica o seu aroma evaporado.
e também a volúpia ansiosa do teu nome a bater no vidro.

tento ignorá-la. e nesse instante endureço.
sou toda quotidiano, o equivalente concreto do tédio onde abstractamente me instalo nas noites sem ti.
depois pego num livro e sou olhos,
como um chocolate e sou estômago,
bebo um trago de whisky e sou fígado,
lavo os dentes e sou relógio a empurrar-me para a cama.

de pálpebras vergadas ao peso da vida, deito-me então a comentar o mundo, alinhavando ideias indómitas,
desconexas e jamais articuladas como enredos.
mas minhas e animais,
a galope
montadas no sangue
até contaminarem as células da narrativa.

à noite
conto-me histórias sombrias
onde tu és uma flecha de luz
desgarrada do tempo
e eu
um arco-íris por pintar.

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