quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Verdade

eras um náufrago,
eu outro,
sem ilhas onde ancorar,
sem onde descalçar os pés, deitar
e caminhar.

e eu gostava de te fazer rir
e do teu abraço redondo à chegada,
da forma como sandálias vermelhas
e fragrâncias místicas
surgiam do nada,
a tempo de um beijo redentor.


mas o prazer, por mais puro,
sei-o agora,
nunca é grande companheiro:
veda-nos ao silêncio onde mais somos nós,
e por momentos esconde a inexorável dor da existência,
essa dor voraz
que é sempre permanecer do lado de fora
de quem queremos acender por dentro.


hoje invento e reinvento
ainda,
dia a dia,
a nossa casa na adraga,
virada a noroeste e batida pelo vento,
pedra sobre pedra,
em construção,
com estas mesmas mãos que nos fizeram,
estas mãos que só em nós
não eram redundância.

e nesta morna solidão
vou reconhecendo outros impossíveis
que em realidades paralelas gritam
para que eu os contemple
na minha deriva.

náufrago ainda
hoje sei que o pavio só se extingue
quando outra chama lhe chega
e lhe promete calor
e uma ilha onde arder.

mas sei também,
essa verdade desde sempre,
que o pior de tudo é nunca ter amado.

3 comentários:

mente brilhante disse...

veda-nos ao silêncio onde mais somos nós,
e por momentos esconde a inexorável dor da existência,
essa dor voraz
que é sempre permanecer do lado de fora
de quem queremos acender por dentro.

e que queremos que nos acenda
e onde queremos ficar, respirar, sentir, sorrir, chorar, viver...

é duro quando expulsos desse dentro somos nós que nos sentimos vazios e apagados como garrafas insípidas à deriva no mar de adraga.
o que devia estar dentro da garrafa rodeia-a abundantemente, é líquido e infinito e mostra que não necessita de recipiente pois é livre...para mihna infelicidade...

Berta Cem Mil disse...

caríssima mente, obrigada por me visitar...
agora pergunto-me, será que a conheço? ou será que a sua infelicidade é apenas gémea da minha e por isso nas minhas palavras se reviu...?
volte sempre, sim?
e trate de pôr um sorriso nos lábios e encher o espírito, seja ele brilhante ou baço, com chamas que nada nem ninguém possa apagar.
a felicidade vem de dentro :)

um abraço.

mente brilhante disse...

penso que não nos conhecemos, mas talvez nos indentifiquemos na poesia ou na forma de expressão...
hei-de voltar com certeza.

a felicidade vem de dentro mas procuramo-la, erradamente, cá fora, onde o sol brilha mais!:)

e às vezes basta só mesmo o sorriso desse sol para nos encher o espírito...

Obrigada