terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Aterrada

a voz dos teus olhos é profunda como raízes, oiço-a
a arranhar-me as gengivas com nitidez nunca esperada enquanto
refaço laços e arrumo a vida.

quis ser para ti um livro que comigo escrevesses,
e a cada dia ler-te de volta, num entendimento a tinta
impressa nas veias e nos ossos,
cinza e prata e sangue sobre papel vivo,
cada instante a crescer até tudo cobrir.

mas o tempo não pode medir-se quando o coração alcança.
ruidoso demais, avança sem piedade e congela a fé.

os ponteiros do relógio como pestanas alongam-se.
a passagem das horas como cigarros queima.
e o meu corpo consumado altera-se, abraçado à memória
contra o lençol.

de sonhos cortados às fatias faço agora versos
que logo definham naquele ambíguo vagar de coisa intangível.
e reinvento o teu coração, que mais não fez senão esperar-me.

sei que é a vez do meu se escrever.
e olho-o aterrada.

o amor está onde deve?

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