quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Digestão

nesta digestão de insensatos prazeres
absorvo o que me deste como se fosse lisonja. e guardo a afronta embrulhada em salmonelas no revoltoso estômago dos desgostos.
sei bem para onde vou
e que o ódio também voa, dizes.
e eu digo,
aterra-me em fogo e renascerei chama. ateia-me de mar e voltarei onda. afoga-me em poeira e tornarei tornado. jamais me matarás.
tu não acreditas.
lembras-te ainda do tempo em que o tejo era novo e as ciclovias se abriam em flores enquanto pedalavas. e das esplanadas repletas de risos, da boémia inócua dos teus amigos, dos filmes que revias para lhes mudares as personagens, de credos vagos com sabor a essência, do repúdio à nostalgia, da fé no futuro.
mas agora reparas apenas nas sombras
e não encontras senão dejectos quando estendes
os olhos pela cidade e te abraças ao sol.
serve-me uma nova fantasia, dizes.
e eu digo,
aos teus lábios só chegarei o cálice do fracasso e a suave mentira por que anseias, depois de amanhã.

o teu corpo que longo tempo foi de outra paragem não me durou mais do que se demora o amor na boca enquanto diz a vida inteira. abandonou esta casa impregnada de ti por seiscentos e setenta dias onde os dias caem como folhas de outono,
sem ruído e leves, a alcatifar o meu breve caminho,

e hão-se cair até não haver mais.
ou até tu me trazeres uma nova fantasia,
depois de amanhã verdade.

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