segunda-feira, 27 de maio de 2024

E depois do adeus

por vezes ainda saio de casa, 

para caminhar,

esticar as pernas, 

arejar os ossos,

tonificar os músculos.


dizem-me que é um remédio para esta tristeza funda, 

tal como praticar o convívio, 

rir, misturar-me nas coisas,

desafiar o intelecto.


mas os cheiros do mundo agoniam-me 

e o ruído constante impele-me a recolher de novo 

ao idílico planeta 

do pensamento doméstico.


concentro-me nele e caio

sem amparo 

no teu abraço gelado como a morte.


encaracolando-me, 

arfante, culpada,

no espaço exíguo entre o meu corpo encolhido 

e o teu colo hostil,

dou lastro à memória dos nossos instantes felizes, 

na realidade para sempre perdidos

no martírio da saudade.


e aqui me deixo ficar,

imóvel, só, vazia,

até amanhã, depois de amanhã, depois da vida, 

como se soubesse quem sou, ou fui, ou serei, 

e que há futuro em mim 

depois do amor, 

depois de nós, 

depois de ti.


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