terça-feira, 4 de junho de 2024

Uma forma de existir

chamavas às frutas 
presentes de deus 
e às flores 
ilhas de luz
no tom solene de quem desvenda 
os grandes mistérios do universo
e desenhavas monstros 
com pernas de inseto e rostos humanos, 
idênticos aos dos teus pais.

eu escrevia o livro fundamental 
movida a fumo, vinho e calafrios, 
com novas rugas na boca, 
que te escondi, 
enquanto me extinguia.

escrever é uma forma de existir, dizia então.
como não escrever, dizias tu, 
e deitavas-te, alheia a tudo.

depois levantou-se a febre. 
tu perdeste o traço e eu o verbo,
caminhaste para longe 
e eu mudei de cama 
para me esquecer que morri.

hoje grito o teu nome 
para dentro da fronha da almofada
e coso-a com linhas mudas. 

aos meus sonhos, pelo menos,
não voltarás a escapar.

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