sexta-feira, 24 de maio de 2024

Pássaros nos olhos

naquele tempo trazias pedras da beira-mar para decorares as janelas 
e pássaros nos olhos para não me veres voar. 

dessa cegueira à seguinte era apenas uma estação. 
tu sabias 
e mesmo assim deixaste-a passar. 

eu tinha as asas presas à nossa casa de sonhos 
e amava-te nela como se fosse real, 
com os sentidos embotados 
pelas tuas certezas e as minhas contradições. 
estarei sempre aqui e lá fora, dizia, 
enquanto podava as orquídeas e enchia o copo mais uma vez, 
ébria já, fechada em mim, surda ao teu desejo. 

mas não mentia. 

outra estação passou e eis-me no mesmo lugar 
a olhar para o teu pedregoso silêncio. 

sei como ele é certo e justo e merecido 
e por isso abraço-o como os oceanos aos rios 
as mães aos bebés 
a terra às raízes. 

já não há espaço nas janelas 
nem pássaros que fiquem parados 
à espera 
até que eu me decida a habitar-te. 

mas ainda há tempo para voltares a ver.

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