segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Arco-íris

amei a vida intensamente, 

com todas as zonas cinzentas e as cores do arco-íris.


fui homem e mulher, criança vezes sem conta, 

e quase mordo a velhice agora que me despeço, 

eu mesma e outros ao mesmo tempo, 

à passagem deste verão de todos os frutos a escorrer-me pelo queixo.


todas as coisas que vivi são só minhas e vão comigo. 

deixo cartas, versos

e um caixote de fotografias, 

beatas no cinzeiro, 

vinhos na garrafeira, 

casa nenhuma, 

algum dinheiro no banco

e lições de amor em três ou quatros corações

que hão de lembrar-me 

com o meu sorriso fácil, 

as minhas danças noturnas,

os discos, os livros, as canetas,

tudo espalhado 

para ainda dar trabalho 

e continuar a ser depois de ser

quando já não for senão cinza 

e uma coleção de gestos, jeitos, gostos e feições 

nos corpos dos meus filhos.


amei muito.

amei mal e distraidamente,

amei bem sem reconhecimento, todos os dias.

e não me importo.


nunca quis aplausos senão na cama, à beira dos sonhos, 

o meu palco sem género, sem máscara, sem roupa, sem nome.

apenas humanidade 

e fim.


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