amei a vida intensamente,
com todas as zonas cinzentas e as cores do arco-íris.
fui homem e mulher, criança vezes sem conta,
e quase mordo a velhice agora que me despeço,
eu mesma e outros ao mesmo tempo,
à passagem deste verão de todos os frutos a escorrer-me pelo queixo.
todas as coisas que vivi são só minhas e vão comigo.
deixo cartas, versos
e um caixote de fotografias,
beatas no cinzeiro,
vinhos na garrafeira,
casa nenhuma,
algum dinheiro no banco
e lições de amor em três ou quatros corações
que hão de lembrar-me
com o meu sorriso fácil,
as minhas danças noturnas,
os discos, os livros, as canetas,
tudo espalhado
para ainda dar trabalho
e continuar a ser depois de ser
quando já não for senão cinza
e uma coleção de gestos, jeitos, gostos e feições
nos corpos dos meus filhos.
amei muito.
amei mal e distraidamente,
amei bem sem reconhecimento, todos os dias.
e não me importo.
nunca quis aplausos senão na cama, à beira dos sonhos,
o meu palco sem género, sem máscara, sem roupa, sem nome.
apenas humanidade
e fim.
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