quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Inverno perene

estico as meias grossas até aos joelhos, 
escondo a cabeça na colcha, as mãos no peito, 
e penso no calor que fazias quando à noite me abraçavas 
e a minha fome crescia na medida exata do teu sossego.

mastigava o vazio e depois de muitas voltas à procura do sono
lá caía naquela sonora inconsciência que tanto desprezavas. 

acordava horas mais tarde, saciada. 
e tu tinhas gelado e coçavas a ansiedade 
como quem se despede do mundo. 

derramavas lágrimas e queixas e eu engolia os gritos, 
de regresso à ação com um buraco no estômago.

o que poderia dizer que te servisse,
se te já tinha tocado um par de dias
e jamais a minha voz ouviste com clareza?

ao fim de tantos despertares repetidos, 
num inverno perene, a mesma fome,
o presente tomou a forma inexprimível do medo
e eu perdi de vez o sentido de falar do futuro.

desconfiavas das palavras e afinal
foi o silêncio que deu cabo de nós.