quinta-feira, 7 de junho de 2007

Água

estávamos trancadas na arca das maravilhas compadecidas, a ver o mundo passar. eu com os meus incêndios estéreis, tu com os teus sonhos calados.
ele passava e nós acenávamos-lhe, imaginando como seria agradável que outra mão agarrasse essa nossa mão que acenava em permanência.
imaginando baixinho, como se temêssemos acordar as crianças ou despertar o coração. imaginando sem intenção.
o que imaginámos morreu para renascer em múltiplas formas.
numa madrugada com cascatas de espuma a descer do céu e borboletas frescas a trespassar os cortinados, a tua nudez fez-se um mar de sensações onde naveguei sem rumo até me tornar âncora, esquecida de mim, com a lua a cantar-me versos inefáveis e um riso quase inocente a tremular-me nos lábios.
então vi estrelas de um desejo ébrio nos teus olhos.
e tu, antes que eu partisse, deixaste um círculo embaciado na minha pele. um círculo perfeito e nenhuma aresta à superfície do meu corpo, agora habitado pela tua respiração, como se eu fosse de vidro e tu um assobio silencioso, subitamente apropriado ao meu consolo, orvalho das manhãs solitárias em que desperto de lábios colados e garganta seca.
hoje o primeiro copo de água de cada dia é um beijo teu.

3 comentários:

Mei disse...

tão bonito!

Berta Cem Mil disse...

ainda bem que gostaste...

Anónimo disse...

Eu diria mesmo que é o mais bonito e o será sempre. parcialidades, provavelmente.