terça-feira, 5 de junho de 2007

O silêncio

desci ao fundo num remoinho.
náufraga, toquei o umbigo da morte. e o que não fui começou a latejar. de olhos cegos nos sargaços e com a branda escuridão pegada à pele, ouvia ainda a tua sombra a desenhar-se na sinfonia do vazio, conduzindo-me ao limite do crepúsculo, um ocaso supremo em plena madrugada.
quis chorar e caí. quis gritar e sorri.
depois a massa por lapidar das minhas secas emoções explodiu e o mundo eclodiu no meu abraço sem corpo.
restou o nada, um vácuo denso, preto riscado a preto.
despertei numa cortina branca fechada, de cérebro em cinza e a estrada entre a boca e o estômago em aridez aguda, dor autêntica, material como nenhuma ausência.
em surdina disse: ninguém pode sair impune dos seus crimes.
vi-te chegar nesse instante, com as meias de vidro brilhantes nos sapatos brancos de passos decididos.
com mãos obreiras alisaste o lençol, com gestos profissionais desligaste o rádio e rodaste ligeiramente a manivela da cama. ofereceste-me água e arrancaste a agulha do meu pulso. O soro parou de pingar e o meu sangue recomeçou a circular.
ainda tresandava a fracasso quando te entreguei os meus sonhos.
tu cruzaste os braços a sorrir e disseste:
os teus sonhos são punhais.
felizmente, há danos reversíveis. e murmúrios felizes colados à mobília da sala para iludir o silêncio.

2 comentários:

Mei disse...

oh, agora fiquei triste.

Berta Cem Mil disse...

não fiques... a tristeza não serve para nada.