domingo, 17 de junho de 2007

O tempo e o mármore

vermelhos são os fios dos relâmpagos que rebentam no meu espírito. imagens em estilhaços das tuas mãos na minha carne tacteiam-me a memória, tão ondulante como o mar da Barra.
dantes havia, lembro-me, uma ponte erguida entre os meus olhos e o teu coração. os nossos sorrisos abriam-se como janelas pela manhã e à noite o sangue inchava-nos nas veias e lavrava-nos incêndios sob a pele.
tinhas-me escolhido. e eu acolhera-te sem uma única tremura breve entre as ervas desbravadas do meu corpo envolto na luz ruborizada, por acção dos contínuos crepúsculos, da árida casa onde vivia.
sentia-me feliz como uma coisa simples e a minha felicidade era uma manta de espelhos sobre o passado.
depois veio o tempo e o mármore, dois macilentos comparsas abraçados, a engolir tudo e a imobilizar-nos, até nos transformar em ruídos e sombras.
agora o passado és tu e o sol não entra na casa. o medo sai-me dos ossos pelos olhos e esmaga-me os sorrisos. a minha boca é uma janela fechada e o meu corpo um compêndio de flora morta.
ainda há praias alojadas nas minhas vértebras mas já ninguém passa por elas.
atiro música contra as paredes e acendo a lareira com poemas novos e velhas cartas de amor.
às vezes bebo chá. ao domingo como torradas.

2 comentários:

Anónimo disse...

como todos não gosto do mármore. mas disseste-o muito bem, é mesmo assim, tal e qual. a verdade pode ser feliz ou não.

Berta Cem Mil disse...

felizmente a bancada da minha cozinha não é de mármore... a verdade só pode ser feliz enquanto não se desmoronar tudo.