sábado, 2 de junho de 2007

Os efebos

das manchas de tinta que se evaporam da minha mente insone, vejo erguerem-se efebos ondulantes, quase moles, de troncos flexíveis com músculos esculpidos como árvores vergadas ao vento. habitam o quarto e segredam-me sonhos.
os meus olhos tocam-nos insensatamente. a tua ausência injecta respirações translúcidas no tecto. nada mais me resta senão esperar-te, murmurando flores em sílabas aladas e ocupando o silêncio com a voz da escrita, esse som ténue com a cadência de um picotado, letra a letra cosido como um sussurro contra a brancura do papel.
às vezes paro e suspiro, imaginando a tua mão entre as minhas.
depois tu chegas. ainda de noite. eu recebo-te como um cão obediente, de língua húmida e ao nível dos teus joelhos. tu beijas-me de fugida, reparas nos meus lápis por afiar, amontoados sobre a mesa da cozinha, refilas com os cigarros e aludes ao inferno dos teus dias atulhados de lixo humano.
dizes: invejo a ansiedade viscosa que depositas nos teus cadernos.
e eu digo: fazes amor como um tigre demente.
entras no quarto e sentas-te na beira da cama, de sexo túrgido e um gemido de folhas no peito. eu ajoelho-me junto à cabeceira e desaperto-te as sandálias. presilha a presilha, lentamente, até te libertar os pés de todas as tiras e amar com os olhos cada sulco neles inscritos. tu deitas-te com um bocejo enquanto os efebos cavalgam nas minhas costas.
e morrem-me os sonhos.

5 comentários:

Anónimo disse...

Eu cá atirava os efebos aos tigre dementes e estavam cheios de sorte...

Berta Cem Mil disse...

carnes tenras... não? olha que os meus efebos são duros de roer...

Anónimo disse...

Sim, sim, imagino... duros de roer são os tigres dementes...

Anónimo disse...

Um tigre. Dois tigres.
(À)na margem morreu o efebo, amado e morto pelo desespero de não querer envelhecer.
Belo, jovem e tonto.
A poesia não morre com a adolescencia, nem o quotidiano mata a estética.
Mas a alma não corre e fica para trás, perdendo-se no nevoeiro do tempo.
Só para dizer que Li.

Berta Cem Mil disse...

Tu lês-me como ninguém. Sempre senti que me conhecias melhor do que eu a mim mesma. Talvez por isso me fazes tanta falta...