domingo, 15 de julho de 2007

A casa

há barcos de perfume a viajar-me nos corredores dos ossos.
sinto-os ancorar nas ilhas assoalhadas do esqueleto e depois partir de novo, para vaguear sem norte na solidez branca que me sustenta.
eles são o meu balanço e a minha inquietação, um clamor de sinos, uma festa de mar. alongam-se nos fémures, encolhem-se nos carpos. adaptam-se, tal como os olhos ao sol e a língua ao sal e o coração à dádiva.
por vezes saem-me aromas navais pelas unhas e crescem-me velas nos dentes e mastros nos tornozelos. mergulho numa reza inconsciente, boiando num fundíssimo poço de memórias, com sofás de morango e malas de vinho e sorrisos de açúcar.
então, entre salas e quartos de palpável maresia, procuro-te num vagar de morte, amarelo como os eléctricos de lisboa e os táxis de nova iorque.
e encontro-te entre flores de seda e picaretas em derrocada, indiferente às vagas de azulejos da cozinha, com um queixume breve na boca.
perco-me no sangue arfante, digo.
e tu dizes: não caibo no que vives.
referes-te à minha casa, arquitectada pelos traços hipnóticos dos meus pastéis de óleo, num limbo entre a ficção e o real.
a casa onde engulo libélulas ao pequeno-almoço para acalmar as ondas dos ossos e onde, à noite, cuspo morcegos na almofada. a casa onde me nascem filhos das plantas dos pés e plantas dentro da cabeça. e onde cada lâmpada é uma mulher e cada armário uma prisão de fragrâncias.
a casa que sangra. onde te encontro e te deixo.
a horas nada convencionais.

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