terça-feira, 31 de julho de 2007

O búzio

a conta-gotas subtraio água ao mar e despejo-a nos olhos, esféricas vasilhas onde guardo os desejos, molhados como mergulhos.
remendo o coração com outras vísceras e, a linhas de sangue, prego-lhe um botão de antártida, sólido como em tempos o ritmo da tua respiração no meu pulso.
às vezes os teus gritos caem nas minhas janelas, arranham a madeira dos caixilhos, desabam nos parapeitos, escorrem pelos vidros, imitam os círculos de voo das rolas em redor da casa.
e desviam-me por breves instantes do meu mundo sem época, nublado de gestos diluídos pelas artérias de espuma do tempo.
há carne e osso nas minhas lágrimas, digo.
e tu gritas na tua mordaça, quase em paz.
então vejo o rosto da terra onde te amei abrir-se num sorriso ébrio. e desenho um ponto final na tua luz, com as batidas do timbaland a ressoar nas paredes que dividem os corredores da minha memória em quartos contíguos, como enfermarias sobrelotadas.
assim me desvinculo de ti, estrangulada às mãos deste gelo que agora se multiplica nas vagas do oceano indeciso onde a minha fraqueza sobrevém.
e o búzio mudo revela-se enfim entre as minhas pernas.

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