terça-feira, 9 de outubro de 2007

Crêperie

temperavas de sombras e ameaças os crepes da tarde.
um remoinho de raiva girava no teu estômago, tômbola febril das tuas certezas.
subitamente tinhas descoberto que não havia mais do que um mar monótono ao alcance das tuas mãos. querias mais. e não podias calar-te.
tinhas-me pedido doçura. eu dei-te a escória de um vulcão já extinto, a minha amarga realidade repetida até à náusea.
não ensaiaste o fim. mas nessa tarde cozinhaste o avesso do tempo em que refulgimos num recheio de bechamel.
quando cheguei a casa serviste-me os crepes num desvelo cabisbaixo que quase me seduziu. falaste da conta da electricidade e do guarda-nocturno, lavaste a frigideira, tiraste o avental, desligaste a televisão.
depois disseste: parto.
em voz alta, disse eu.
uivaste comigo uma última vez e os meus dedos percorreram o teu rosto num adeus aromático.
levaste o pantagruel quando partiste.

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