quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

A bela distante

garbosa e diáfana caminhas para o vazio.
és a bela filha de afrodite esculpida em bronze, coração e entranhas e tudo.
carregas o perfume do mundo e a música do vento nos cabelos, o céu à volta dos lábios, a semente do amor nos olhos.
tens um lenço de cetim atado ao pescoço altivo e a longa estrada a partir da praia para percorrer.
foges do que os infelizes procuram, uma e outra vez, até não restar um minuto de sal nos teus olhos, até quase tocares a cruz da tua morte.
eu amo-te de longe, como amei a vénus nos uffizi, imaginando que a tua pele é uma planície de espigas e papoilas e a tua voz um rumor de pura saudade.
mas o vinho permanece o meu elemento.
sem perder de vista o mar, acerto o passo com as vindimas e destilo-me num pequeno cálice, de ombros imponentes e nuvens a esvoaçar-me no peito.
mesmo quando visitas a minha rua, quando vens respirar o iodo e as canções marítimas à minha porta, verificar a mutação dos rochedos e o som sentimental dos búzios deste lado da vida, e depois prossegues o teu caminho a caminho de nada.
dizes: nenhum beijo retocará a minha boca.
e caminhas.
eu vejo-te e aos meus ossos despenhados da janela, misturados na areia por onde passas.
sustenho a respiração e recolho a casa.

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