sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Pequenos deuses

foste um trinado de azul, vaidoso como narciso.
arrepiaste-me as costas, trancaste-me em casa, tomaste os espelhos. e eu, nas horas finais da tarde, fitando um horizonte de nucas de raparigas em fila para o autocarro, brotei lírios que derramei no jardim desalinhado.
depois foste um sussurro de praia, andrógino como dionísio.
sopraste-me amor, seduziste-me por capricho, brindaste ao prazer sem regra.
e eu, na noite estrangulada de estrelas, perdida em cogitações circulares, aprendi as tuas receitas caseiras, empadão de gestos inconsequentes e pudim de sorrisos falsos. sem prazo de validade.
finalmente foste um grito de seda, eloquente como hermes.
abraçaste-me devagar, desviaste-me do caos, abriste-me ao silêncio. e eu já mal respirava, sob a vigilância fria dos teus olhos virados para dentro.
soçobrei aos teus pés, rubra de raiva, lívida de medo, asfixiada de paixão. hoje tenho crianças eternas a crescer-me no peito, deuses pequenos a seguir-me os passos, brisas amenas a envenenar-me as veias.
os meus segredos são só meus. e o sarcasmo a minha glória.

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