terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Açúcar

sobravam-te os sonhos nas mãos e os intentos na boca, pura como o orvalho nas folhas do inverno.
nos cabelos navegava-te o aroma do amor consumado.
mas namoravas em disfarçado desespero, a tua nudez nunca te despia.
quando te vi cantando à deusa, indiferente ao tumulto das multidões e ao mistério das palavras, respiravas em murmúrios dançantes, enrolados como novelos de lã no espaço aberto da tua varanda virada a oeste. e tinhas o peito a desfazer-se em caramelo, numa doce e espessa massa deslizante, suavemente pintada de luar dourado, que mais ninguém via senão eu.
na fronte inchada de orgulho, exibias as vontades satisfeitas. e de todos escondias os desígnios desfeitos e a identidade da carne.
havia rugas à volta dos teus olhos, mas não eram imperfeitas como os sulcos dos barcos no mar. só tu sabias o sabor do sangue frágil do tempo e o termo certo do sol.
conduz-me à paz, disseste.
e eu disse: o meu ombro é um lago.
então pousaste a palma na água parada e em mim depositaste os sonhos que já não te cabiam. estancaste o açúcar em ponto de areia e recolheste ao interior da casa.
eu fiz um ninho na varanda virada a oeste.
e voltei-me para dentro de ti.

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