quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Coágulo

vens de sobretudo altivo e botas enlameadas
(chove e tu nunca evitas o baldio,
os olhos continuam expressivos
mas eu desisti de tentar entendê-los,
a boca desenha-se em mulheres fantásticas e câmaras ao ombro,
retratos a preto e branco, artes de mãos falantes,
homens enobrecidos pelo sofrimento,
canções.
tens de dizer a cada dia o tanto que apreendes,
não importa se te ouvem. houve um tornado, dizes,
soubeste pelas notícias, no táxi para casa,
o universo desmorona-se.

corres os cortinados, abres as janelas, inspiras o tejo,
imaginas crianças a rir e a brincar e o velho pastor alemão na casa dos teus pais. escutas o latido das gaivotas,
uma buzina de automóvel
(instintivamente conferes o semáforo,
e pensas que preferias chopin.
eu penso que seria maravilhoso se a vida tivesse
a cor dos olhos do sinatra
(mas são os teus que não me saem da cabeça.

fechas as janelas e pedes-me para tocar.
mil gradações de cinza envolvem os nossos corpos,
tu passas a mão pela colecção de lenços e arrumas o canivete desleixadamente deixado sobre o carrinho de chá.
eu penetro em nocturnos mistérios
(por meios tons, andantes e acordes largos,
guiando-te lentamente ao teu âmago
como só no amor.
então aconchegas-te à música que te dou.
a copiosa narrativa interior abraçada ao sublime prazer
de simplesmente sentir, o tule e as sapatilhas definitivamente guardados no fim da memória, as ilusões caladas
pela experiência, as frustrações queimadas
como o leite creme da tua infância.

e forma-se um coágulo de magia onde és feliz.

amanhã ajustamos contas.

2 comentários:

Anónimo disse...

o que eu andei a perder...

T.

Berta Cem Mil disse...

e eu sempre aqui...

:)