terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Em paz

poesia é ofício artesanal (cesto de vime, bordado a cor:
cada verso contém a vida mas demora a revelar-se,
quase tanto como ela a consumir-se.

e eu que nunca deixei de ser tua e portanto minha
jamais poderei ser também,
aqui permaneço redundância
a pingar sobre o lago de narciso e a dormir
como a bela, sorrindo
só por guardar entre os dentes a memória do teu beijo –
esse instante de veludo em que as palavras, minhas e tuas
se misturaram, inscrevendo amor eterno
no aço branco das janelas.

sempre na mira da solidão,
de tambores no peito e consciente de que
toda a promessa de eternidade é fugaz
e todo o poeta divino, ardentemente desejo largar tudo e
tornar-me música, só para planar na tua sala.

e aprendo que o amor é oferenda
apenas a quem não teme o silêncio e se inclina
perante a clareza simples das flores,
em serena alegria acolhendo a neve nos cabelos.

o sonho recolhe-se à crosta materna
de que a minha sofreguidão se veste.
olho a dispersão do vento, em paz,
lanço as sementes do inefável
ao coração e ouço o sangue correr – agora que
nada mais em mim corre.

e ergo-me entre as montanhas.
consegues ver-me?

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