terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Reparaste a ferida

no teu coração nómada, a pesar três toneladas e meia
às vezes quatro,
quando cedias ao relento que desejava abraçar-te,
cantava aquela irreprimível vontade de amor
e uma harpa de estéreis cordas douradas.

não aparecias nos meus poemas, nem esse canto mendigo.
mas as tuas orações, não tão silenciosas quanto as minhas,
feitas para serem amplamente ouvidas
e reluzentes como as letras das canções inglesas,
já traziam metade do meu reino
levantado
entre as portas do altar.

admitias a beleza mas nunca a eternidade.
e não compreendias os prazeres da vida doméstica.
tinhas trinta e nove anos,
um casal de caturras e um ar condicionado
e acreditavas que os dias recolhidos
jamais seriam melhores que os outros que se vendem por aí,
em promoções de odisseias sem ulisses,
com gengibre e palestras e visitas guiadas a museus,
serviço de quartos e massagens incluídas.

caminhavas num júbilo disfarçado,
não fossem os remorsos ouvir-te,
e na sombra precária da compaixão
vigiavas os olhos despertos dos que nada viam
e os corpos encantados dos que pouco criavam além de tumultos.

temias pela humanidade. e pela tua inocência.
abrigavas o esquecimento na memória
e na boca, a atenção.

até que me viste,
relâmpago trivial de magros medos
e dedos aflitos, em domicílio fixo nas vastas paisagens
dos círculos ruinosos e das raízes funestas.

e reparaste a única ferida irreparável do teu ser.
para
ao trilho da inquietação, teu velho conhecido,
tornares brevemente.

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