sábado, 21 de julho de 2007

Sem virtude

não há virtude no que vejo neste quarto flutuante com chão de mar. o teu cabelo encaracola-se nas minhas coxas e a tua boca entreaberta polui a brancura dos meus lençóis. tenho os pulsos em tensão.
vens de seda com a espessura da pele e um lenço inquieto de pirilampos rodeia-te o pescoço. sobes com um passo ao sacrossanto altar de veludo vermelho e saltas a compasso binário de dildo fluorescente na mão direita, enluvada de preto como a esquerda até aos cotovelos.
serves-te dele como de um microfone e, não sei como, amplifica-te a voz para lá do cemitério de livros da casa. cantas que me matas, toda glam rock e possessão, obscena de olhos vítreos e rosto afogueado.
eu baixo a cabeça de vez em quando, como se esperasse encontrar caranguejos entre os rochedos do quarto. mas só alcanço a penumbra do silêncio. a luz está onde tu estás e é tão incandescente que derrama noite em todos os objectos em redor, sob e sobre o teu corpo.
levanto-me do mar e enfrento-te um instante maior do que um orgasmo, acreditando que podes ouvir a música do meu sorriso manchado de desejo.
mas não podes. a tua verdade é a absoluta exaustão raiada de medo e raiva.
mato-te, cantas ainda.
e eu murmuro: nada é mais fácil,
entre guitarras demoníacas e a ensurdecedora brisa do meu âmago litoral. quero sair dele em chaga.
na dor que me infligires, atingirei a pureza.

4 comentários:

lamia disse...

Há mundos que nos arrebatam como se a eles pertencessemos.

Berta Cem Mil disse...

é verdade, lamia, também me acontece. depois penso que se calhar até pertenço um bocadinho...
será esse o teu caso, talvez.

Mei disse...

gosto particularmente da parte "toda glam rock e possessão"...

Berta Cem Mil disse...

e também gostas do velvet goldmine, aposto... eu também.