despi-me das metáforas, livrei-me das roupas, depus-me diante de ti sem nada que me escondesse, com o meio-dia a queimar-me os ombros e a seiva da luxúria a dardejar-me nos olhos.
tu vieste num sonho vagaroso, vestida de urgência e bichos-de-conta, e tatuaste a tua vida, sílaba a sílaba, no meu braço.
e eu colhi um riso inocente da tua boca e uma correria incessante do teu corpo.
depois, a humidade do tempo agarrou-se-nos ao peito e afundámo-nos no incomensurável rio da inércia, sem sinais visíveis da passagem das horas. pouco havia a fazer para além de perseguir cães e ver os ponteiros do relógio de sala a girar ordeiros como um sistema solar. às vezes tingíamos os dedos de sangue e confundíamos as insónias. e tocávamo-nos a medo, em súbitos actos de valentia, com o desejo a desertar da pele e o frémito da fuga a florir no cérebro.
um dia rugiste no espelho.
e eu aperfeiçoei-me na arte de te substituir pelo orvalho da melancolia.
o teu silêncio é uma vertigem, disse.
por isso me escreves, disseste tu.
hoje leio os dias à luz da tua ausência e aproximo-me do centro da noite com um fio de tinta a escorrer-me da alma.
com lâminas afiadas, assinalo os caminhos que me separam de ti. com cubos de gelo, decifro os vestígios dos segredos que me deixaste. e escuto a diluída espessura dos teus gemidos. e vejo o esplendor da tua fronte a interromper o monólogo do vento.
e amo-te num sossego de lago.
domingo, 8 de julho de 2007
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6 comentários:
tenho gostado tanto dos teus últimos contos que só os comento em silêncio. és uma alquimista de palavras, berta.
(*)
sou? ai, obrigadíssima...
gosto das tuas visitas, mei.
Apanho os olhos que por momentos tombaram sobre as tuas linhas, no reconhecimento do silêncio rasgado ao virar da página.
lamia, que os teus olhos tombem sobre as minhas linhas muitas e muitas vezes.
tantas histórias para ler :-)
e grátis, maísha. espero que gostes.
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