quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Encantamento

vivi às cegas, desconhecendo o relevo do mapa da tua aldeia. na floresta, segura de mãos presas à crina do cavalo, fantasiando correntes de ar sob o sol eternamente a pique, a sós com os meus pensamentos e a lança romba, de corpo fechado e contos de reis e rainhas nas algibeiras.
tu habitaste a impossível tarefa de ser feliz para sempre no teu castelo de bruma, entalado entre a igreja matriz e a taberna ébria. durante anos jogaste às escondidas nos claustros, contando mil vezes até mil, à sombra das oliveiras e do riso contagioso das crianças. dormiste de seda, sonhaste algodão, frequentaste galas, atiraste moedas ao poço dos desejos sem saber o que desejar.
e não me adivinhaste.
mas um dia o infernal fogo da realidade empurrou-me da floresta. perdi o cavalo e os pensamentos, enterrei no peito a lança que há muito não me servia e sangrei à tua porta de algibeiras vazias.
corre uma brisa no teu perfume, disseste.
e eu disse: dou-te este eco do vento.
hoje danças nos meus olhos, numa sensual ondulação de ritmos tribais, que os petrifica e humedece.
despes-te na minha boca, deixando caídas peças de roupa à toa, entre a língua e os dentes.
espalhas-te pelo meu rosto em matizes de cores celestes, tingindo de brilhos novos os velhos desenhos das minhas feições.
e eu reparo que a tua existência em mim é uma pintura sonora, de sabor táctil e veias salientes, onde há magia sem varinhas de luz e desnecessários sapatos de cristal.
não o lamento nem o celebro. deixo-te ficar.
encantada.

1 comentário:

Mei disse...

os cavalos de vento florescem das tuas mãos, e a magia renasce.
bom dia para ti!