segunda-feira, 21 de julho de 2008

Uma romã

quando o meu pensamento a si mesmo se pensa, a nossa história é-lhe estrangeira como uma romã a apodrecer num quadro surrealista.

há areia movediça nestes degraus que subimos, misturada com o amor, essa metáfora de fogo e vento, que às vezes é apenas um quarto vazio onde deitamos as rugas para descansar.
há geada febril nesta casa que enchemos, misturada com o amor, essa fragrância teimosa, que nos pesa como um bolso carregado de pedras.

duas bocas coladas não são amor.
lamberes-me como a um gelado não é amor.
tocares-me para que estremeça não é amor.
teres-me na cama não é amor.

antes ouvisses os meus silêncios a ribombar como trovões entre paredes de carne.

o que eu sou está na minha pele e sob os meus cabelos e a pulsar no meu peito. o que tu és encontra-se espalhado pelo mundo, na companhia dos outros, em estilhaços insignificantes que tu não queres unificar e eu não posso recolher.

há areia movediça nesta ampulheta onde o nosso tempo se esvai.
e vagas gigantes de nada no teu mar.
engolem-te a voz, despem-te o sentido, desfazem-te em nortada.

há uma geada febril nesta romã que habitamos.
e nos meus olhos, lágrimas que não sabes ler.

1 comentário:

Anónimo disse...

simplesmente brilhante, adorei!!