terça-feira, 7 de outubro de 2008

Chove de novo

se te dou palavras, queres receber beijos.
se te ofereço chocolates, queres recolher gestos.
se te entrego a alma, preferes flores.
se te deixo, queres que fique. se te quero, preferes que parta.

lá fora chove de novo
e o tempo descai para as margens do silêncio.
não sei já como dizer-te o que tagarela dentro de mim
(perdi os fios dos versos e os motores dos verbos,
lá onde o teu corpo a cintilar se abriu em remoinho ao meu desejo
e cedeu ao ímpeto da carne, sem ternura nem canções.

tenho poemas a perfurar-me os ossos
e a crescer como árvores na cabeça.
e saudades a enlaçar-me com ramos de cinza,
tão frágeis como os teus braços
(e mais fortes que o amor que me tens nos dias em que para o amor te reinventas, escultura de feltro e sal, arte sem humanidade nenhuma, cidade escarlate e surreal.

lá fora chove de novo
e eu dissolvo-me na espuma dos canais,
a caminho da estéril água da incompreensão
(e o que não compreendo atropela-me a língua,
fecha-me ao mundo e afasta-me de ti.

um dia o mar engolirá a praia e depois será tarde demais
(tarde demais para preguiçar nas tardes e perseguir pombas,
para trocar olhares eloquentes, para rir e conversar.

lá fora chove de novo.
eu visto-me de perguntas e olho para os sonhos
(onde tu és só um instante
a tentar demorar-se no avesso da minha pele.
ao contrário.
sem como nem porquê.

1 comentário:

lamia disse...

Sintomas outonais, galhos que atiram a roupa ao chão.

Não escureças e caias como as folhas.