sexta-feira, 1 de maio de 2020

Mais um quarto crescente

um tempo de incerteza estugou-me o passo.
de repente a pressa de chegar a um fim
voltou-me para o princípio,
o bem maior de um novo começo,
e um turbilhão de ondas
desfez-me contra as cintilações do passado,
ainda vivo do outro lado das noites quietas.

adormecida, julgando-me desperta,
de olhos turvos, fingindo atenção,
de tornozelos presos a correntes
a ensaiar a prudência,
passei as mãos por todas as estações
e direcções,
escolhendo a mais dolorosa
para te poupar ao drama de me veres definhar
enquanto te ouvia enumerar desilusões imponderáveis
e disparar invisíveis gritos
contra os meus poemas quotidianos.

músicas e danças de todas as nações fizeram-me companhia,
a mil trabalhos me entreguei,
sem argumentos que pudessem atrasar a morte,
e na lua cheia encontrei-me com o remorso,
de garganta em nó a pedir-te perdão em sonhos,
por orgulho inefável,
na manhã seguinte.

agora que o quarto cresce, nem acredito no que vejo:
esta boca fechada já se fundiu na tua,
este lençol deserto chegou a ter a forma do teu corpo,
estas cinzas, este pó a cobrir tudo
foram outrora o nosso amor.

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