quarta-feira, 29 de abril de 2020

Peter Pan

triste herói
este, que voa
e portanto se crê acima dos sonhos mortais.


regressado da sua viagem,
extenuado e distante,
sem alma viva que o possa contradizer,
não pode evitar aquela sensação de carência a alastrar.

é então que começa a ficar agressivo,
transformando em palavras audíveis
o que nesses momentos pensa,
que toda a terra do nunca o desaponta
e o amor não basta
por jamais coincidir com a resposta exacta,
escrita a espada e fogo,
aos seus desejos de menino encantado.

trazendo na pele o vento e as tempestades na boca,
espera ser adivinhado,
mas é sempre um novo enigma
que o aguarda no regresso,
enquanto todos se recolhem,
temendo a sua fúria,
velha conhecida em crescimento constante.

leva anos a decifrá-lo
e de caminho pratica a solidão,
corajoso como um rio em cortejo pelas matas da memória,
sem que ninguém lhe testemunhe as lágrimas.

e lentamente
o amor apodrece, de raízes encharcadas.

quando finalmente ele está pronto para a doçura,
capaz de admitir a carência, parar com as viagens
e conformar-se com o amor possível,
já é tarde para recuperar toda e qualquer criança perdida.

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