quarta-feira, 22 de abril de 2020

Motown

um golpe no indicador,
a pele num instante branca
como o vinco de um lençol
e logo a seguir aquele vermelho todo,
recorda-me que talvez prefira a morte
a este silêncio insípido,
a estes gestos doentes que não vês,
estes lábios mordidos de nervos
e o coração partido em dois.

depois reparo que o sol nasce sempre
apesar da noite que carrego dentro
sem que alguém mo aponte,
e levanto-me.

a sombra deste amor
é um abismo de ruídos estridentes que não ouço.
quem dera fossem harmoniosos
para me esgueirar neles e dançar.
assim vivo em queda
como se pudesse morrer muitas vezes.

pergunto-me
onde estão as pedras para as covas dos olhos,
agora que só me restam as fotografias,
onde sorris parada, mais uma vez?
o que faço destas memórias esfumadas,
irrecuperáveis,
que me dão a impressão,
como o branco dos teus olhos nos retratos,
das coisas belas que aniquilam?

se um dia te fizer falta,
eu e os meus erros,
a jactância,
a inquietude,
o riso que me desponta ao teu lado,
o cheiro peculiar,
diz,
não hesites.
é tudo teu, como é teu este amor antigo,
a passar de moda como uma canção da Motown.
e tua cada inútil lágrima que deito.

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